"Por que as mulheres, que têm todo o mundo masculino a seus pés, não são engraçadas?”. Isso é o que pergunta o jornalista britânico Christopher Hitchens em um artigo entitulado "Porque as mulheres não são engraçadas", feito para a revista americana Vanity Fair. O que Hitchens talvez percebesse, caso se desse ao trabalho de ligar sua televisão, é que essa questão já perdeu o sentido há alguns anos. As mulheres são, sim, engraçadas, e várias delas estão provando isso em uma série de seriados e talk-shows que crescem em progressão geométrica nos Estados Unidos e, aos poucos, em diversos outros lugares do mundo. Inclusive aqui.
Quem nunca ouviu falar de Saturday Night Live, por exemplo? Esse programa humorístico super tradicional nos Estados Unidos teve por muitos anos uma mulher, a talentosíssima Tina Fey, como roteirista-chefe. E não precisamos ir tão longe para achar bons exemplos: quem não lembra de “Os Normais”, com Luiz Fernando Guimarães e Fernanda Torres, que tinha como uma das roteiristas a brasileira Fernanda Young? Claro que, além delas, há ainda muitos outros exemplos: Ellen Degeneres, que apresenta seu próprio talk-show, Chelsea Handler, que possui 2 programas na E!, Sarah Silverman, que escreve sua própria sitcom, e até mesmo as cômicas Heloísa Perissée e Ingrid Guimarães, que conquistaram ambos a televisão e o teatro no Brasil. Todos esses nomes representam uma mudança muito positiva no quadro da produção de comédia televisão, um meio historicamente dominado pela presença masculina.
Não que antes as mulheres não tivessem qualquer participação na televisão – até porque as versões estereotipadas de mulheres sempre fizeram bastante sucesso nos programas de humor mais “afinados” com o gosto masculino - mas, agora, além dos rostos (e seios), uma outra parte do corpo feminino está começando a ser devidamente valorizada: o cérebro. Mulheres como Tina Fey, Sarah Silverman, e Fernanda Young estão sendo cada vez mais aceitas como criadoras de humor. E sua produção cômica, muitas vezes, nada tem de “feminina” e “delicada”. Tampouco seus conteúdos são as “futilidades” geralmente associadas com programas femininos.
“Ninguém vai ficar na frente da TV só para ver os belos olhos de alguma apresentadora que não sabe desejar um zero sentada.”, é o que diz Paulo Gustavo Pereira, escritor do livro “Almanaque de Séries”. Sem dúvidas. E é o que está além dos belos olhos que diferencia radicalmente essas mulheres de suas antecessoras do mundo da comédia. Eis como algumas delas conseguiram marcar seu espaço na televisão e, por vezes, fazer história.
Tina Fey – Talentos múltiplos e reconhecimento global
Apesar de ter sido alçada para o sucesso com seu trabalho na televisão, Fey começou sua carreira num grupo de teatro de improvisação de Chicago, chamado “Second City”. Foi lá que participou, como atriz, de “Paradigm Lost” - sua primeira montagem teatral premiada. De lá, partiu para uma breve carreira em “stand-up comedy”, uma experiência comum no currículo de quase todos os grandes comediantes norte-americanos. No entanto, foi em 97 que entrou para a equipe de SNL, demorando apenas dois anos para se tornar a primeira roteirista-chefe do programa e, em apenas quatro para ganhar o prêmio “Writers Guild of America” pelo episódio comemorativo de 25 anos da série.
Quem já assistiu a algum episódio de “Saturday Night Live” provavelmente percebeu que “politicamente correto” definitivamente não é um termo que se aplica. As piadas são irônicas e ácidas, especialmente em quadros como o Weekend Update – que Tina escreveu e apresentou por vários anos -, um noticiário falso que satiriza de políticos a celebridades pop, usando e abusando do “humor negro”. Tina Fey tem o sarcasmo e a sátira como marca principal de seu tipo de comédia, que não hesita em criar polêmica. O “30 Rock”, que Tina atualmente produz, roteiriza e estrela, baseando-se em sua experiência com o SNL, lida com estereótipos de programas de televisão – da atriz loiríssima e narcisista ao rapper egocêntrico e de talentos questionáveis. Seu programa é uma crítica contundente, de extrema inteligência e perspicácia, com uma pequena (porém essencial) pitada de insight feminino.
Fernanda Young – Sarcasmo e sutileza
Sua apresentação já chama atenção. Tatuagens, cortes de cabelo modernos e uma postura crítica que fascinam muitas pessoas e outras... Bem, nem tanto. Enquanto apresentava o Saia Justa, na sua formação original, a caracterização de pessoa arrogante foi criada e espalhada. Ela dizia o que pensava, podendo estar certo ou não, podendo soar engraçado ou não. E ainda faz isso. E, da mesma maneira, muitos ainda não a toleram. Mas suas idéias começaram a fazer sucesso. As brasileiras começaram a gostar, aparentemente, de fazer graça com sua própria vida, cólica, amor, trabalho, filhos... A escritora, roteirista, apresentadora e ocasional atriz estrelou duas vezes “A Idéia”, um monólogo escrito por ela e seu marido, sendo criticada até hoje. Ah, bem, parece ser uma resposta razoável, considerando sua personalidade.
O humor sarcástico e a inteligência de Young permitem comentários maldosos e rápidos, e frases que poderiam confundir um espectador desligado ou que não a conhece. O tom irônico e o timing de suas tiradas ganham ainda mais pontos por tratarem de situações reais, cotidianas. É a efetiva fórmula de dizer o que todos pensam, mas nunca dizem. E chama atenção o fato de uma mulher ter conseguido isso em uma sociedade patriarcal como a nossa.
Claro que não foi da noite para o dia. Demorou, mas ela conseguiu emplacar suas características e combinar com críticas leves à situação política, econômica, social e cultural. A conquista gradual é resultado de outras mulheres terem se arriscado antes nesse meio. Na comédia, era comum ver mulheres apenas como atrizes ou objeto de cena – o que era ainda pior. Agora elas se responsabilizam pelo roteiro. Extravasam suas angústias e pensamentos circulares, longos e confusos para homens, mas completamente entendíveis para mulheres.
Há duas temporadas, Young conversa com músicos, atores e atrizes e diretores em seu talk show “Irritando Fernanda Young,” que é exibido pelo canal GNT nas terças, às 22:00.
Sarah Silverman – Humor “de macho” :
A comediante não hesita em quebrar tabus, abordando temas como racismo, religião e sexo, ou, até mesmo, todos os temas juntos, como no episódio em que vai para a cama com deus – que, aliás, é negro – e tenta dispensá-lo depois. A destemida comediante também fez uma aparição no documentário “Os aristocratas”, na qual diversos comediantes, na maioria homens, tentam contar a piada mais suja do mundo. Mas é Sarah quem consegue se sair melhor nessa asquerosa tentativa.
Lucy e Mary, ícones televisivos sem autoria própria:
Lucille Ball e seu marido na série e vida real.
Em
Da produtora de Lucille, a Daslu, também saiu outra série emblemática da época: o “The Mary Tyler Moore Show” (1970), estrelando a personagem Mary Richards, outro ícone televisivo. A sitcom de Moore inovou por trazer uma protagonista totalmente diferente das que habitavam as telas da época: uma mulher solteira e bem-sucedida profissionalmente. “Os programas com protagonistas femininas avançaram muito desde Mary Tyler Moore. Antes, as mulheres eram quem davam o tom da comédia, mostrando que eram inteligentes, mas atrapalhadas ao lidar com os problemas domésticos. Quando essa mesma mulher também mostrou que podia se virar sozinha, as coisas começaram a mudar.”, analisa Paulo Gustavo Pereira.
Atualmente, considera-se que essas duas mulheres são verdadeiras lendas da história das comédias televisivas, o que, devido à marca que deixaram no próprio modo de se fazer televisão nos Estados Unidos, não pode ser negado. No entanto, nenhuma das duas possuía um papel ativo na produção e redação de seus programas, limitando-se a reproduzir, ainda que com excelência, papéis escritos em uma redação formada majoritariamente por homens. Sendo “majoritariamente” a palavra de ordem, pois há uma mulher que realmente se destacou nesse contexto.
Talvez o grande nome esquecido por muitos na produção de “I Love Lucy”, e que vale aqui ao menos uma menção, é Madelyn Pugh, roteirista nascida em 1921 que, juntamente com seu parceiro Bob Carrol Jr, escreveu mais de 400 programas de televisão e 500 no rádio. A dupla trabalhava com Lucille Ball em seu programa de rádio e foi levada para a TV no momento do convite da CBS. Nos anos 50 Pugh era a única “girl writer” nas salas de roteiristas que freqüentava, e estava sempre junto de Carrol. Ela é realmente uma pioneira, que abriu caminho para as mulheres na televisão, mas ainda assim com uma autoria dividida com seu parceiro. Em 2005, Madelyn lançou uma autobiografia chamada “Laughing with Lucy” (Rindo com a Lucy) contando toda a sua trajetória pelo mundo dos roteiros.
Madelyn Pugh com Lucille
Madelyn, apesar de não ter recebido o merecido reconhecimento do público por seu papel inovador, deixou como legado uma legião de mulheres prontas para preencher seus escarpins na televisão. E desculpe-me, senhor Hitchens, mas acho que essas cômicas e talentosas mulheres vieram para ficar.
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Fernanda Young: http://br.youtube.com/watch?v=gxo_qQduEwQ – Entrevista com Fernanda Torres
Sarah Silverman: http://br.youtube.com/watch?v=hf2bwYC4w2M&feature=related Aberturas de “Sarah Silverman Program”
Tina Fey: http://br.youtube.com/watch?v=FdDqSvJ6aHc Como Sarah Palin
I Love Lucy: http://br.youtube.com/watch?v=VTddjW7B1qk Abertura e cena de um episódio da 1ª temporada (1952)